Tenho compartilhado tanto esse texto do amigo Ed René Kivitz que pedi autorização para publicá-lo, finalmente, aqui. Faço isso como uma espécie de complemento ao que outro amigo, o André Forastieri, acaba de publicar em seu blog, no texto “Joelma e Daniela: liberdade, libertinagem, tolerância e fé”. O texto do André é brilhante e se eu não concordo com todos os argumentos, certamente compactuo com seu ponto de vista, de que democracia de verdade é o direito do outro falar coisas com as quais eu não concordo. Como o André e o Alexandre Garcia, fico muito encafifado com a “acusação” de que Feliciano tenha opiniões homofóbicas, por exemplo, como se houvesse crime de opinião no Brasil.

Mas o que me incomodou de fato foi algo que não está em seu texto, e que talvez não tenha ocorrido explicitamente ao próprio André: a associação frequente que se faz entre fé e ignorância: “Joelma tem direito de pensar como pensa, afinal, não tem educação e convive com gente inculta”. Já escrevi muito sobre isso aqui neste blog e não queria me repetir. Assim, sinto que as palavras de Ed René fazem mais por mim agora do que eu mesmo poderia fazer. O texto chama-se “O direito dos estúpidos e a liberdade dos lúcidos”.

Monkey-ComputerAs mídias sociais são um espaço democrático. Não apenas os 140 caracteres do twitter e os posts nos blogs e páginas do Facebook, mas especialmente os RTs e comentários são uma celebração da liberdade de opinião como também e principalmente fazem valer em termos absolutos a máxima “quem fala o que quer ouve o que não quer”.

É bom que seja assim. Parafraseando meu cunhado, que comenta em humor politicamente incorreto sempre que ouve uma besteira, “é melhor ouvir isso do que ser surdo”, nas mídias sociais é melhor conviver com as barbaridades postadas do que dimunuir o espaço da troca de ideias e o fomento da construção coletiva do saber, ou cercear o direito à opinião e à palavra de quem quer que seja, inclusive dos idiotas, intolerantes, ignorantes, deselegantes e outros tais. O direito dos estúpidos é o preço da liberdade dos lúcidos – lembrando sempre que o lúcido de um é o estúpido de outro, e seu contrário.

Minha formação religiosa é cristã sob a ótica da Reforma Protestante. Mais precisamente de tradição batista, que se apoia em alguns poucos princípios fundamentais. Além dos dois eclesiásticos: a Igreja como comunidade autônoma, composta por pessoas convertidas e batizadas, e a separação entre a Igreja e o Estado, também cremos que a Bíblia é a única autoridade em termos de fé e ética, e no sacerdócio universal de todos os cristãos, que implica a liberdade de consciência, a responsabilidade do indivíduo diante de Deus, e o livre exame das Escrituras.

Esses princípios se alinham com as propostas do Iluminismo, que prestou um serviço extraordinário à cultura ocidental, ao estabelecer a distinção dos campos: religião e ciência, fé e razão. Infelizmente – e não sem motivos, a distinção é confundida ou transformada em antagonismo. Mas não precisa necessariamente ser assim. A religião se sustenta em axiomas que extrapolam o método racional científico, mas a experiência de fé não é irracional – bichos não se ajoelham para rezar. Toda vez que o ser humano abre mão da razão, em vez de chegar à fé, e a uma experiência espiritual emancipadora, libertadora e favorecedora da autonomia – “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, torna-se vítima do obscurantismo dogmático e da superstição. A ignorância, a crença irrefletida e a recusa ao debate não são compatíveis com a espiritualidade baseada na consciência que examina livremente um livro considerado sagrado e singular.

Como bem disse o mestre John Stott, “crer é também pensar”. Portanto, fazer pensar é um serviço que se presta à fé. Suscitar o debate e a reflexão é um caminho de evangelização. Puxar o elástico do debate até os limites que se estendem para fora da zona de conforto dos clichês tomados como verdadeiros pela repitição exaustiva é uma forma de atender ao convite de um Deus que gosta de pensar e conversar, e pela boca do profeta Isaías a todos convida dizendo “Venham, sentem aqui comigo, vamos discutir esse assunto”.