O que aprendi de mais importante com o homem derrotado pelo “Fantástico”
Eu já contei no meu livro Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar a cena em que o diretor do Núcleo Jovem da Editora Abril, Adriano Silva, reuniu todos os chefes de redação para comunicar que estava deixando a empresa, convidado para assumir o posto de chefe de redação do Fantástico, no Rio de Janeiro. Adriano foi o grande responsável pelo retorno da revista Bizz ao mundo dos vivos, numa manobra de fé e esperança sem a menor chance de ser mantida pela gestão seguinte. Dois anos depois, ele estava ali naquela sala enorme comunicando sua saída e o que quer que ele tenha falado eu entendi como “Bem, amigos, esse negócio de jornalismo no papel está acabando e desejo boa sorte para quem pular fora por último”. Adriano, com seu MBA japonês em Business Administration, sua experiência escrevendo na Exame, construindo a Você S/A e reconstruindo a Superinteressante, foi uma das influências mais intensas entre os muitos homens e mulheres que me iluminaram o caminho – e eu ali, bem na curva entre ser um jornalista e ser um executivo das empresas de comunicação. E, se você já me viu falando sobre a Bizz, sabe do tamanho da aventura que foi aquilo e o quanto tudo aquilo me serviu nas redações que dirigi nos anos seguintes.
Me despedi do Adriano dizendo “Nunca aprendi tanto com alguém. Estou exausto, espero que o seu substituto me ensine menos!”. Essa história sempre me diverte.
Nos encontramos pouquíssimas vezes durante o tempo que ele chefiou a redação do Fantástico. Ouvia de longe histórias cruéis, sobre como seus subordinados o caricaturavam, sobre como a audiência seguia claudicante, sobre como ele simplesmente evaporara na Globo. A disposição de Adriano em revisitar tudo isso em seu novo e elogiadíssimo livro, Treze meses dentro da TV: Uma Aventura Corporativa Exemplar (Editora Rocco), que definiu na Veja como “a história de uma derrota”, me lembrou de uma outra grande lição que Adriano me ensinou, muito longe das redações – e pela qual nunca o agradeci totalmente.
Adriano inventou uma festa de aniversário num clube na Oscar Freire e convidou o andar inteiro que comandava – o que não era pouca gente, considerando Bizz, Capricho, Mundo Estranho, Super, Supersurf e mais um monte. E, no meio do bom som mecânico ele subiu com sua banda, os Allan Delons, que misturava o pop dos anos 80 com o britpop dos 90 em composições próprias e arranjos garageiros. Era evidente o prazer do Adriano em mostrar sua música para seus colegas de redação – seus subordinados de redação, na verdade; não lembro de encontrar nenhum dos executivos da Abril por lá.
Eu nem lembro de nenhuma das músicas. Mas lembro de como aquela visão, do meu chefe ensopado de suor no palco tocando bateria, me fez sentir pequeno na minha visão dissoluta do ambiente profissional. Até então, era óbvio pra mim que, no trabalho, eu deveria ser certo Ricardo Alexandre; em casa outro, mais apropriado; no lazer, outro ainda, cada qual com suas regras, e que esses ricardos jamais deveriam se misturar; o quanto mais distantes estivessem, mais protegidos estariam. Aquele show do Allan Delons começou a quebrar isso em mim.
Não queria mais saber de ser adequado. Quero saber de ser íntegro, inteiro.
Na minha experiência corporativa nos anos seguintes, era asfixiante a sensação de que, em cada reunião, em cada encontro, em cada conversa, havia um jogo acontecendo – sem que as regras fossem claramente assumidas. Ser íntegro em um ambiente desses é se colocar como jornalista, gestor, chefe e subordinado, pai de família, fã de rock, jeca jundiaiense, cristão, são-paulino, tudo ao mesmo tempo, e não performar o papel de executivo. Ser íntegro tem seu preço, mas o preço de ser cindido é muito maior: o preço da alma.
Durante a leitura de Treze meses dentro da TV: Uma Aventura Corporativa Exemplar (Editora Rocco) essa realidade nunca me saiu da cabeça. A cena do Adriano entregando um CD dos Allan Delons para Álvaro Pereira Jr me correu a espinha num calafrio. Era ingenuidade demais num ambiente selvagem. E esse espírito franco e aberto corre todo o livro – na verdade, toda a carreira do Adriano, com quem voltei a trabalhar no final de 2015. É por essa franqueza, essa integridade, essa indisposição para a “estratégia”, essa honestidade para com os próprios erros e vacilos que o livro tem sido elogiado. É o que torna único numa prateleira de faz-de-conta, e é aí que está a sua maior lição.
É sintomático que, saindo da Globo, Adriano tenha criado um blog chamado O Executivo Sincero, com um header combinando Didi Mocó, Darth Vader, Legião Urbana e o Internacional de Porto Alegre. É menos uma autodefinição do que uma advertência: há certas pessoas que se oferecem por inteiro, que não vão jogar o jogo cínico da vida corporativa. Elas podem não ser muito bem-vindas onde o baile de máscaras está estabelecido, mas para quem está construindo vida, em vez de carreiras, é confortante notar que a integridade pode dar muito certo.
A noite de autógrafos de Treze meses dentro da TV: Uma Aventura Corporativa Exemplar é amanhã, dia 19/09, a partir das 19h na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi em São Paulo. Nos vemos lá!