Durante boa parte de 2011, eu mantive em casa um grupo de reflexão sobre família. Valia de tudo: de relatórios científicos a trechos da Bíblia, passando por palestras em vídeo e documentários. Foram noites muito ricas em discussão, suporte mútuo e trocas de experiência. Um dos materiais mais interessantes sobre o qual nos debruçamos foi essa reportagem da revista New York publicada originalmente em 04 de julho de 2010, numa edição cuja chamada de capa era “Amo meus filhos, odeio minha vida”. Isso que eu chamo de manchete de impacto!

O trabalho da jornalista Jennifer Senior ia à fundo na questão de que os pais simplesmente odeiam a paternidade, com uns números alarmantes de estudos de todo o mundo provando isso. Inspirado por uma conversa que tive semana passada com o pastor André Fontana, resolvi compartilhar aqui com vocês a tradução que fiz. Se alguém se interessar, mando por e-mail a guia de discussão que montei para o grupo sobre a reportagem. Espero que gostem e que os ajude de alguma forma!

TODA ALEGRIA, NENHUMA DIVERSÃO:
POR QUE OS PAIS ODEIAM A PATERNIDADE

por Jennifer Senior

Houve um dia, há poucas semanas, quando encontrei o meu filho de 2 anos e meio sentado à porta do nosso prédio, esperando que eu voltasse do trabalho. Ele me viu logo que eu dobrava a esquina e a cena que se seguiu foi de uma beleza indescritível (daquelas saídas de filmes de Hollywood que eu punha para assistir enquanto estava grávida), com aquele lindo garotinho pulando do colo da babá e descendo a calçada correndo para me abraçar de saudade. Mas este momento feliz, porém, estava prestes a acabar – e, olhando agora, me parece mais como um intervalo tranquilo num filme de terror – quando abri a porta do apartamento e descobri que meu filho havia destruído parte da garagem de madeira de brinquedo que eu passara a manhã inteira montando. Isso não seria um grande problema em si mesmo, exceto que, como eu tentei corrigi-lo, ele ficou impaciente e começou a atirar os pedaços de madeira nas paredes da casa, com uma prancha estreita vindo direto em direção a meu olho. Recitei as regras da casa (sem jogar, sem bater). Ele pegou outra grande prancha de madeira. Eu gritei. Ele estendeu a mão direto para apanhar a chave de fenda. E a cena terminou com o rapazinho confinado em seu berço.

Enquanto eu voltava para a sala, pensei em algo que um amigo disse uma vez sobre o Museu da Criança de Manhattan, “um lugar agradável, mas o que eles realmente precisam é de um bar” e lamentei como, naquele momento, a mesma coisa poderia ser dito do meu apartamento. Duzentos e quarenta segundos antes, eu estava em um estado de bem-aventurança extrema, mas agora estava com os nervos na lua, cavoucando os armários atrás de alguma bebida alcoólica. Atualmente, a minha vida emocional parece muito com isso. E suspeito que o mesmo vale para a maioria dos pais: a onda de altos e baixos emocionais é tão incontrolável que poderíamos praticar surfe nela. No entanto, isso é algo que a maioria de nós escolhe. Na verdade, é algo sem o qual a maioria de nós diria que seria infeliz.

DO PONTO DE VISTA DA ESPÉCIE, não há nenhum segredo no porquê de as pessoas terem filhos. Do ponto de vista do indivíduo, no entanto, é um mistério muito maior do que se poderia pensar. De maneira geral, a maioria das pessoas assume que ter filhos irá torná-las mais felizes. No entanto, uma grande variedade de pesquisas acadêmicas mostra que não só os pais não são mais felizes do que seus pares sem filhos, mas que em muitos casos são menos.

Esta conclusão é surpreendentemente consistente, mostrando-se numa gama enorme de estudos. Talvez o dado mais frequentemente citado provenha de um trabalho de 2004 dirigido por Daniel Kahneman, um economista comportamental ganhador do prêmio Nobel, que avaliou 909 mulheres que trabalham no Texas e descobriu que cuidar de crianças é a 16a atividade mais prazerosa num total de 19 (perdendo para preparar os alimentos, assistir TV, fazer exercícios, falar ao telefone, cochilar, fazer compras e limpar a casa).

Este resultado também aparece regularmente em pesquisas que relacionam invariavelmente as crianças com redução na satisfação conjugal. O economista Andrew Oswald, que comparou dezenas de milhares de pais britânicos com casais sem filhos, confessa ter uma “inclinação” de olhar para seus dados com uma luz mais positiva: “A grande mensagem não é que os filhos tornam as pessoas menos felizes, é só que as crianças não vão torná-lo mais feliz”. Isto é, ele diz, a menos que você tenha mais de um. “Então, os estudos mostram um impacto bem negativo.” Numa regra geral, a maioria dos estudos mostram que as mães são menos felizes do que os pais, que pais solteiros são menos felizes ainda, que os bebês e as crianças pequenas são os mais complicados, e que cada filho sucessivo produz retorno decrescente. Mas alguns estudos são mais severos do que outros. Robin Simon, um sociólogo da Universidade Wake Forest, afirma que pais são mais deprimidos do que não-pais não importa quais as circunstâncias, se é solteiro ou casado, se tem uma criança ou quatro.

A ideia de que os pais são menos felizes do que não-pais é tão comum na academia que foi uma grande notícia quando em 2009 o Journal of Happiness Studies publicou um relatório escocês declarando que o oposto era verdade: “Ao contrário do que afirma muita da literatura”, dizia a introdução do artigo científico, “nossos resultados são consistentes sobre o efeito positivo de crianças na satisfação de vida, e crescente com o número de filhos.” Infelizmente, a euforia foi de curta duração. Poucos meses depois, o pobre autor descobriu um erro de codificação em seus dados, e a revista correu para publicar uma errata. “Depois de corrigir o problema”, dizia ele, “os principais resultados do trabalho já não se sustentam. O efeito de filhos sobre a satisfação de vida de indivíduos casados é pequena, muitas vezes negativa, e nunca estatisticamente significativa.”

DE QUALQUER FORMA, FICOU CLARO o quanto todo mundo torcia para que os escoceses estivessem certos. Os resultados de todos os outros estudos simplesmente violam uma intuição muito profunda dos pais. Daniel Gilbert, psicólogo de Harvard e apresentador do programa This Emotional Life do canal PBS, dedicou menos de três páginas de seu livro Tropeçar na felicidade a tratar sobre como a felicidade fica comprometida após os filhos. Mas quando ele vai para o circuito de palestras e conferências, as perguntas céticas sobre as tais páginas surgem com mais frequência do que qualquer outra. “Eu nunca conheci ninguém que não discutisse comigo sobre isso”, diz ele. “Mesmo as pessoas que acreditam nos dados dizem que ‘sentem muito’ por aqueles que têm isso como uma verdade.”

Então… O que exatamente, está acontecendo aqui? Porque essa conclusão se repete inúmeras vezes apesar da maioria dos pais acreditarem estar errada? Uma resposta poderia ser simplesmente que os pais estão enganados, presos a uma falsa consciência de que a paternidade é boa para a humanidade, mas não para homens e mulheres em particular. Gilbert, um pai orgulhoso e avô zeloso, tem muito a debater sobre isso. Ele fez fama mostrando que nós, seres humanos, não sabemos prever sem culpa o que nos fará felizes e, em sua avaliação, as vontades de uma criança são um bom exemplo disso: o que uma criança realmente quer é oferecer momentos de transcendência, e não uma melhoria global de bem-estar. Talvez. Mas há explicações menos fatalistas, também. E entre elas a grande possibilidade de que os pais atuais odeiem a paternidade simplesmente porque a experiência de educar filhos mudou fundamentalmente.

– Eu vou contar até três…

É uma noite de semana qualquer, e a mãe nesta cena é uma uma morena com os cabelos presos num coque e óculos apoiados sobre a cabeça, após trabalhar o dia inteiro e preparar o jantar. Agora ela está se aproximando de seu filho de oito anos de idade, o mais velho de dois, que está sentado em frente ao computador na sala, absorto em um filme. A questão é a lição de casa, que ele ainda não fez.

– Um… dois …

Esta cena é parte de um relatório realizado pelo Centro de Estudos do Cotidiano da Universidade da Califórnia, que ganhou uma reportagem de primeira página no jornal Sunday Times em maio de 2010 e gerou muita discussão entre os pais. Nele, os pesquisadores coletaram 1.540 horas de filmagens de 32 famílias de classe média com duas fontes de renda (dele e dela), com pelo menos dois filhos, todos eles em suas atividades regulares em suas casas em Los Angeles. A intenção do estudo de modo algum foi registrar a infelicidade dos pais. Mas um dos doutores envolvidos no estudo, ele próprio pai de dois, descreveu o processo de assistir aos vídeos como “a mais pura campanha de controle de natalidade já inventada. Em todos os tempos”

– Eu vou assistir até uma parte e depois apertar o pause – diz o menino.

– Não – diz a mãe – Você faz isso depois de começar e terminar sua lição de casa.

Tamar Kremer-Sadlik, a diretora de pesquisas do relatório, assistiu a esta cena várias vezes. A razão pela qual ela acredita que o vídeo é tão poderoso é que ele retrata o quão dolorosa é a experiência dos pais pressionarem seus filhos para fazer suas tarefas escolares. Eles parecem sentir a pressão de forma mais aguda que os próprios filhos.

– Espera! É rápido!! – o menino começa a gritar. A mãe para o filme

– Eu estou dizendo que não!, diz ela

– Você não está me ouvindo? Você não vai assistir a isso agora!

O menino se levanta e coloca o filme do começo de novo.

– Não!! – Ela repete, desta vez levantando a voz. Finalmente, ela segura o menino pelo braço e o arranca da sala

– Eu não vou engolir essa!

ANTES DA URBANIZAÇÃO DAS CIDADES, as crianças eram vistas como recursos econômicos a seus pais. Se você tivesse uma fazenda, eles trabalhariam ao seu lado para manter sua produção; se você tivesse um negócio de família, as crianças ajudariam a gerenciar a loja. Mas tudo isso mudou dramaticamente com as revoluções morais e tecnológicas da modernidade. Como nós ganhamos em prosperidade material, a infância começou a ser vista como uma fase protegida e privilegiada da vida. E como um diploma universitário passou a ser condição para a vida profissional, as crianças tornaram-se não apenas uma grande despesa, mas personagens a serem esculpidos, estimulados, instruídos, preparados. (A socióloga Viviana Zelizer, da universidade de Princeton, descreve a transformação do valor de uma criança em oito palavras implacáveis: “Economicamente não têm valor, mas emocionalmente são caríssimas”). Crianças, em suma, deixaram de ser a nossa equipe para serem os nossos patrões.

“Você viu Babies?”, pergunta Louis Nachamie, uma conselheira de casais, que durante anos organizou workshops para pais e grupos de apoio no Upper West Side de Nova York. Ela está se referindo ao recente documentário do francês Thomas Balmès, que compara a vida de quatro recém-nascidos, um no Japão, um da Namíbia, uma na Mongólia, e uma em São Francisco, nos Estados Unidos. “Eu não quero idealizar as vidas das mulheres da Namíbia”, diz ela. “Mas é difícil não notar o quão calmas elas são. Eles enfeitam os tornozelos de seus filhos, decoram-nos com sienna, claramente desfrutando apenas de sentar e brincar com eles.E nós aqui sempre pensando em todas essas coisas Isto é especialmente verdadeiro em famílias de classes média e alta, que são muito mais propensos do que os seus semelhantes de classe operária a enxergar seus filhos como projetos a serem aperfeiçoados. (Crianças de mulheres com nível universitário passam quase cinco horas por semana em “atividades organizadas”, contra apenas duas horas dos filhos de mães com nível secundarista).

Annette Lareau, a socióloga que cunhou o termo “cultivo orquestrado” para descrever a educação agressiva de crianças mais ricas, coloca desta forma: “Os pais de classe média gastam muito mais tempo conversando com as crianças, respondendo a perguntas com perguntas, e tratando cada pensamento de seu filho como uma contribuição especial. E isso é um trabalho muito cansativo. Ainda assim, poucos são os pais que, de consciência tranquila, negligenciem esse trabalho, diz Lareau, “com medo de estarem colocando suas crianças sob o terrível risco de não terem todas as vantagens possíveis”. Mas essa tensão em torno do tempo em família não se limita às classes sociais privilegiadas. De acordo com o estudo “Ritmos de mudança da vida em família” – um compêndio de dados e estatísticas sobre o uso do tempo compilado pelo trio de sociólogos Suzanne M. Bianchi, John P. Robinson e Melissa A. Milkie – todos os pais passam mais tempo com seus filhos hoje do que faziam em 1975, incluindo as mães, apesar de sua crescente inclusão no mercado de trabalho. Mães casadas hoje também têm menos tempo de lazer (5,4 menos horas por semana); 71% dizem que desejam mais tempo para si próprias (como fazem 57% dos pais casados). No entanto, 85% de todos eles ainda acreditam que não passam tempo suficiente com seus filhos.

ESTAS ESTATÍSTICAS PARADOXAIS me lembraram de uma conversa que tive com uma mulher que frequentava um dos grupos de apoio a pais de Nachamie, uma profissional que decidiu ter filhos em idade um tanto mais avançada. “Eu tenho dois filhos maravilhosos”, um com 9 e outro com 11, “e eu gosto de fazer muitas coisas com eles”, ela me disse. “É o fardo que é difícil: Ah, droga, você não tem nenhuma calça que sirva?!?! É apenas isso. Sempre. Muito. Muitas demandas.” Aquela senhora, é justo que se diga, era divorciada. Mas, mesmo se as suas responsabilidades fossem compartilhadas com um parceiro, as demandas da escola e da ginástica e piano e esportes e trabalhos de casa ainda requereriam uma enorme capacidade de administração. “E o mais maluco de tudo”, continua ela, “é que, pelos padrões de Nova York, até que eu não os sobrecarrego tanto com atividades.”

Eu pergunto o que ela faz nos fins de semana em que o ex-marido tem a guarda. “Eu trabalho”, ela responde. “E faço as unhas.” Algumas gerações atrás, as pessoas não paravam para se questionar se ter filhos fariam-nas felizes. Ter filhos era simplesmente o que você faz. E nós temos sorte, hoje, de ter escolhas sobre estas questões. Mas a abundância de opções (se teremos ou não teremos filhos, quando, quantos etc.) pode ser uma das razões que nos deixam menos felizes. Essa foi – pelo menos parcialmente – a conclusão dos psicólogos W. Keith Campbell e Jean Twenge, que, em 2003, fizeram uma meta-análise de 97 estudos de crianças-e-satisfação conjugal que remontavam à década de 1970. Não só eles concluíram que a satisfação geral dos casais diminuem se eles têm filhos, como também descobriram que a cada geração sucessiva a insatisfação cresce.

A nossa, sendo a mais insatisfeita de todas. Ainda mais surpreendente, eles descobriram que a insatisfação dos pais só tende a crescer quanto mais dinheiro eles têm, apesar de poderem comprar mais cuidados para as crianças. “E minha teoria sobre por que isso ocorre é a mesma para ambos os casos”, diz Twenge. “As pessoas tornam-se pais cada vez mais tarde na vida. Há uma perda de liberdade, uma perda de autonomia. É completamente diferente de sair da casa dos pais e imediatamente ter um bebê. Agora, você sabe o que está perdendo”. (Ou, como um psicólogo amigo de Gilbert lhe disse, quando finalmente consegui ter um filho: “Filhos são uma enorme fonte de alegria, mas transformam qualquer outra fonte de alegria em bosta.”)

Não seria uma inferência particularmente ousada dizer que quanto mais adiar os filhos, maior será nossas expectativas em relação a eles. “Há todo esse acúmulo, ‘assim que eu conseguir tal feito, vou ter um bebê, e vai ser uma grande recompensa!’”, diz Ada Calhoun, autor de “Paternidade Instintiva” e editor-chefe do site Babble, especializado em pais. “E daí é tipo ‘Ei, espere, essa é a minha recompensa? Esse estorvo de 19 anos?!?!’”

Quando as pessoas adiam a paternidade, elas também estão trazendo diferentes sensibilidades para o seu “projeto”. Eles passaram sua vida adulta, como profissionais, acreditando que há um caminho certo e um jeito errado de fazer as coisas prosperarem e agora eles estão aplicando a mesma lógica de “expansão dos negócios” à família, e eles estão cercados por um “mercado” que só se afirma e reforça essa ideia. “E o que está confuso sobre isso”, diz Alex Barzvi, professor de psiquiatria infantil e adolescente na Faculdade de Medicina de Nova York, “é que há um monte de coisas que os pais podem fazer para fomentar o desenvolvimento social e cognitivo.

Existem maneiras certas e erradas para disciplinar uma criança. Mas você não pode cair na armadilha de se comparar com os outros e constantemente concluir que você está fazendo a coisa errada.”Mas isso é exatamente o que os pais atuais fazem. “Foi ruim, especialmente no início”, disse uma mulher que recentemente participou de um grupo de pais liderado por Barzvi na Rua 92. “Quando eu ouvi outras mães, dizendo: ‘Ah, fulaninho dorme horas e cochila por três’, eu logo penso ‘oh, droga, eu estraguei a disciplina de sono do meu filho!’.” Os pais dela, imigrantes da grandes famílias, não fariam ideia do tipo de aflição pela qual ela passa. “Eles não tinham livros de referência acadêmica sobre disciplina do sono”, diz ela (que já leu três). “Para meus pais, as coisas eram o que eram.”

Então, como explicar que sua angústia? Eu pergunto. “Eles acham que os americanos complicam tudo.” É sempre chato citar a Escandinávia em reportagens sobre criação de filhos, mas não deve ser um acidente que o único estudo magnificamente desenhado a dizer, de forma inequívoca, que ter filhos deixa alguém feliz, foi feito a partir de pesquisas com dinamarqueses. O pesquisador, Hans-Peter Kohler, um professor de sociologia da Universidade da Pensilvânia, diz que se interessou inicialmente pela questão porque ficou intrigado com as taxas de fecundidade em declínio na Europa. Uma das coisas que ele concluiu é que países com fortes sistemas de bem-estar produzem mais crianças – e pais mais felizes.

Claro, isso não deve ser uma surpresa. Se você não está preocupado com o pouco tempo que passa com seu bebê (porque você tem um ano de licença maternidade remunerada), se você, quando volta ao trabalho, não está mais ansioso em encontrar cuidadores de crianças a preços acessíveis (porque o Estado vai subsidiá-los), se você não está mais pensando em como pagar pelo colégio das crianças ou pelo pediatra (porque são gratuitos), bem, é lógico que a sua própria saúde mental vai melhorar. Mas quando Kahneman e seus colegas fizeram uma outra versão da pesquisa sobre mulheres que trabalham, desta vez comparando aquelas em Columbus, Ohio, com aquelas em Rennes, França, a amostra francesa revelou apreciar mais a rotina de cuidados com crianças do que sua contraparte americana. “Nós temos colocado toda nossa energia na missão de sermos pais perfeitos”, diz Judith Warner, autora de “A Loucura Perfeita: Maternidade na Era da Ansiedade”, “em vez de focar em mudanças políticas que tornariam a vida das famílias melhores.”

“JÁ SE SENTIU SOZINHA SOBRE como se percebe nesse papel? Eu juro que me sinto como se estivesse cercada por mulheres que eram inteligentes e interessantes, mas se tornaram zumbis que só falam de futebol e cupons de desconto”. Esse foi o comentário inicial de um tópico de discussão no site UrbanBaby de abril de 2010. Poderia ter gerado uma série de comentários consoladores. Isso não aconteceu:

Políticas mais generosos do governo. Uma economia mais sólida. Uma cultura menos pressionada que valorize mais os bons valores do que filhos perfeitos – tudo isso certamente produziria pais mais felizes. Mas, mesmo nas circunstâncias mais favoráveis, a educação é uma atividade extraordinária, em ambos os sentidos da palavra “extra”: além do ordinário e especialmente ordinário. Enquanto as crianças aprofundam a vida emocional dos pais, elas vão diminuindo o seu mundo externo para o tamanho de uma xícara de chá, pelo menos por um tempo. (“Toda a alegria e nenhuma diversão”, como um velho amigo, com dois filhos jovens, gosta de dizer.)

Lori Leibovich, editora-executivo do site Babble e do livro Maybe Baby, uma coleção de 28 ensaios de escritores debatendo ter ou não ter filhos, diz que passou muito tempo de sua carreira impressionada com as colegas mulheres que tinham feito a escolha deliberada de não ter filhos. Isso permitia-lhes viajar ou viver no exterior para seu trabalho, permitia-lhes assumir riscos físicos para (no caso de um romancista) habitar seus personagens de ficção sem ser puxado para fora pelas exigências de um personagem do mundo real. “Havia uma riqueza e textura de sua vida profissional que era tão, tão invejáveis”, diz ela. (Leibovich tem dois filhos.)

Homens, ao que parece, sentem-se como se tivessem assumido um compromisso sério também, embora de um tipo diferente. Eles sentem que não vêem seus filhos o sufi ciente. “Em nossos estudos, são os homens, de longe, que têm mais conflito trabalho-vida do que as mulheres”, diz Ellen Galinsky, presidente do Instituto Families & Work. “Eles não querem ser coadjuvantes na vida de seus filhos.” Mas são os casais quem provavelmente pagam o preço mais caro de todos. Relacionamentos saudáveis definitivamente fazem pessoas felizes. Mas as crianças alterem as relações. Como Thomas Bradbury, pai de dois filhos e professor de psicologia da UCLA, gosta de dizer: “Estar em um bom relacionamento é um fator de risco para se tornar um pai.” Ele me mostra um dos estudos mais inspirados nesse campo, conduzido pelos psicólogos Mark E. Cummings e Lauren Papp. Eles pediram que 100 casais casados há algum tempo para passassem duas semanas documentando meticulosamente suas divergências. Quase 40% delas foram sobre seus filhos.

“E esses 40%, estou supondo, são apenas o número das brigas explicitamente sobre crianças, certo?” – este é um ex-paciente de Nachamie, empresário e pai de dois filhos. “Quantas outras discussões surgiram sobre outros motivos, que começaram porque todo mundo estava de pavio curto, ou cansado ou estressado?” Este homem é muito franco sobre a tensão que os filhos trouxeram a seu casamento, especialmente o primogênito. “Eu já me sentia negligenciado”, diz ele. “De qualquer jeito, na minha cabeça. Mas quando tivemos um bebê, isso se tornou tão acentuado, passando do zero para ‘Menos 50’. Aí virou tipo ‘eu posso lidar com o zero mas não com o Menos 50!!!’.”

ESTA É A REALIDADE BRUTAL SOBRE crianças. Elas são estressadoras tão poderosas que as pequenas perfurações nas relações podem se transformar em fissuras profundas. “E minha esposa ficou mais mandona”, continua o empresário. “Você não faz isso, você não faz aquilo.” Havia a ideia que tínhamos sobre como as coisas deveriam ser: A família deve ser bla-bla-bla, o homem deve ser bla-bla-bla, a mulher deve ser bla-bla-bla.” Esta é uma outra realidade brutal sobre as crianças: Elas expõem o abismo que existe entre as nossas fantasias sobre família e a dura realidade. Significam também o adeus a uma velha forma de vida, exuberante e livre e cheia de oportunidades para o romance. “Não há mais nada sexy ou íntimo entre nós”, diz ele. “O novo modelo, que eu certamente vim a adotar, é que nossa energia se deslocou para as crianças. Uma das razões pelas quais hoje eu amo estar com minha esposa é porque eu amo a família que construímos.”

A maioria dos estudos mostram que os casamentos melhoram quando as crianças entram na latência, a idade entre 6 e 12 anos, apesar de piorar de novo durante a zona de guerra chamada adolescência. (Como um amigo com filhos adultos uma vez me disse: “Os adolescentes sabem ser brutais com uma grande naturalidade.”). Mas uma das quedas mais acentuadas documentadas no estudo Rhythms of American Family Life é a quantidade de tempo que os pais casados gastam sozinhos a cada semana: Doze em 1975, nove horas atualmente. Bradbury, que esteve envolvido no estudo da UCLA com 32 famílias, diz que os maridos e as mulheres gastam menos de 10% do seu tempo livre em atividades juntos. “E você acha que nesses 10% eles estavam dizendo ‘Docinho, você está uma beleza. Onde paramos ontem naquela conversa sobre a administração do Obama?’?”, pergunta ele. “Que nada. Eles estavam exaustos em frente à televisão.”

– Eu não estou assistindo! – insiste o menino.

(Agora estamos voltando o filme, até Los Angeles. Aquela mãe e aquele filho ainda estão discutindo. A coisa está tensa, irritadiça, e ela ainda o está puxando pelo braço. O menino alcança o teclado do computador com os dedos):

– Espera, eu vou colocar em pausa!

– Eu quero você fazendo sua lição! – repete amãe – E você não está fazendo a lição!

– Eu sei – lamenta o filho – Vou pausar o filme.

Parece que a mãe não está muito convencida. Ela

o puxa da cadeira.

– Não, você não está me ouvindo! – diz a mãe

– Sim, eu estou!

– Não, você não está!!!

Crianças podem proporcionar momentos de alegria incomparável. Mas eles também proporcionam momentos inigualáveis de frustração, tédio, ansiedade, desgosto. Esta cena, que não é lá tão incomum nem tão terrível, deixa bem claro por que a paternidade é considerada menos divertida do que jantar com os amigos ou cozinhar um bolo. Amar seu filho e amar a paternidade não são a mesma coisa.

No entanto, é aí que as coisas se complicam. Obviamente, o vídeo mostra o quão difícil e desagradável para os pais podem ser. O que ele não mostra é o amor que essa mãe sente por seu filho – nós poderíamos apostar que não tem igual. Também não mostra que essa desagradável tarefa faz parte de um projeto maior, que recompensa em dividendos mais sutis do que simplesmente a diversão. Kremer-Sadlik diz que ela e seus colegas pesquisadores eram muito conscientes destas peças faltantes quando se reuniam a cada semana para discutir os dados recolhidos. “Nós todos nos lembramos das coisas negativas”, diz ela. “Considerando todo o resto como entrelinhas. Esse foi um dos dilemas do estudo: Como podemos falar sobre os bons momentos?” A pesquisadora faz uma pausa, e então faz a pergunta que, para um pai (que ela mesma tem dois filhos), é provavelmente a mais relevante de todas: “Por que os bons momentos tão difíceis de definir?” A resposta depende do que nós chamamos de “bons” ou “felizes”. Será que a felicidade algo que você experimenta? Ou é algo que você pensa? Quando Kahneman pesquisou as mulheres do Texas, ela estava medindo felicidade momento-amomento. Era um sentimento, um estado de espírito. A técnica pioneira para medi-la (o Método de Reconstrução Diária) foi projetada para fazer reviver os seus sentimentos ao longo do dia.

Andrew Oswald quando olhou para as famílias britânicas, olhava para uma versão condensada do Questionário de Saúde Geral, que seria melhor descrito como um indicador básico de humor: Você recentemente sentiu que não conseguia superar suas dificuldades? Sentiu-se constantemente sob pressão? Perdeu muito sono porque se preocupava? (Que pai não respondeu, “sim”, “sim”, e “oh, Deus, sim” a estas três perguntas?). Pelo ponto-de-vista do humor, não parece restar dúvida de que as crianças realmente fazem a nossa vida mais estressante. Mas quando os estudos levaram em consideração quão gratificante é a paternidade, os resultados foram diferentes. No ano passado, Mathew P. White e Paul Dolan, professores da Universidade de Plymouth e do Imperial College de Londres, respectivamente, desenvolveram um estudo que tentava diferenciar essas duas ideias. Eles pediram aos participantes para avaliarem suas atividades diárias, tanto em termos de prazer quanto em termos de recompensa, então os resultados foram plotados em um gráfico de quatro quadrantes. O que emergiu foi um mapa dos nossos sentimentos bem mais próximo do senso comum. No quadrante de coisas que as pessoas entendem tanto como prazerosas como gratificantes, as pessoas escolheram o voluntariado em primeiro lugar, a oração segundo e, em terceiro, o tempo com as crianças (embora raramente o tempo com as crianças fosse considerado algo “agradável”). Trabalho foi considerado a mais gratificante atividade não-muito-agradável. Todos pensam que o trânsito é tanto desagradável quanto não-gratificante. E ver televisão era considerada uma das atividades mais prazerosas, embora não-gratificantes, assim como comer, embora o menos gratificante entre todas as atividades prazerosas tenha sido o bom e velho “relaxar”. (O que provavelmente diz algo sobre o poder permanente da ética protestante do trabalho).

EM 2003, OS SOCIÓLOGOS KEI Nomaguchi e Melissa A. Milkie conduziram um estudo no qual acompanharam casais ao longo de 5 a 7 anos, alguns dos quais com filhos e outros não. E o que descobriram foi que, sim, aqueles casais que se tornaram pais fizeram mais trabalhos domésticos, sentiram-se mais descontrolados e brigaram mais (na verdade, só as mulheres pensavam que brigavam mais, mas, enfim). Por outro lado, as mulheres casadas eram menos deprimidas depois que tinham tido filhos do que seus pares sem crianças. E talvez isso porque o estudo buscou compreender não apenas o humor momento-a-momento dos participantes, mas envolveu questões mais existenciais como a forma como eles se sentiam ligados, como eram motivados, e quanto de estresse eles geravam (por oposição à quanto de estresse eles sentiam sobre si): Você não sente vontade de comer? Você não sente vontade de dançar? Você se sente solitário? Você está desanimado? Os pais, esses serem que vivem em uma máquina de alta-aceleração perpétua, aparentemente têm respostas diferentes do que seus amigos sem filhos.

Os autores também descobriram que a maioria das pessoas deprimidas eram pais divorciados, e Milkie especula que talvez seja porque quisessem estar envolvidos na vidas das suas crianças, mas não estavam. Robin Simon encontra algo semelhante: os pais menos deprimidos são aqueles cujos filhos menores estão em casa, e os mais deprimidos são aqueles cujos filhos não estão. Este achado parece significativo. Tecnicamente, se a paternidade faz você infeliz, você teria de se sentir melhor se fosse poupado de exercê-la. Mas se a felicidade é medida pelo nosso próprio senso de realização e significado, os pais sem a guarda dos filhos perdem.

Eles são privados de algo que lhes dá propósito e recompensa. Quando eu menciono isso ao psicólogo e apresentador Daniel Gilbert, ele não tem como contestar. Mas ele diz que o que o intriga é como incluir esse dado na conta das pessoas que decidem ter filhos. “Quando você pára para pensar em tudo o que as crianças significam para você, é claro que elas te fazem se sentir bem”, diz. “O problema é que 95% do tempo, você não está pensando sobre o que eles significam para você. Você está pensando que você tem que levá-los para as aulas de piano. Então você tem que considerar que tipo de felicidade consome com mais frequencia: você quer maximizar aquela que você experimenta quase o tempo todo (momento-a-momento)? Ou aquela felicidade que você raramente vivencia?”

É justo. Mas para muitos de nós, o objetivo é a felicidade, especialmente para aqueles que acham que a felicidade plena é um pouco ilusória demais, pra início de conversa. Martin Seligman, o pioneiro da psicologia positiva (notoriamente um não-otimista natural) acredita que a felicidade é melhor definida no sentido grego antigo: levar uma vida produtiva, com propósitos. E a maneira como fazemos um balanço final da vida não é pela quantidade de diversãoque tivemos, mas o que nós fizemos com ela. (Seligman tem sete filhos.)

Cerca de vinte anos atrás, Tom Gilovich, um psicólogo da Universidade de Cornell, fez uma contribuição notável para o campo da psicologia, mostrando que as pessoas estão muito mais aptas a lamentar coisas que elas não fizeram do que coisas que fizeram. Em um exemplo, ele acompanhou homens e mulheres do estudo de Terman, a famosa coleção californiana de alunos superdotados, separados desde 1921 para viver uma vida de grandeza. Ninguém ali disse a Gilovich que havia se arrependido de ter filhos, mas dez lhe disseram que lamentavam muito não haver constituído uma família. “Acho que isso se resume a uma questão mais filosófica do que psicológica”, diz Gilovich. “Será que devemos valorizar a felicidade momentânea em vez da avaliação retrospectiva da nossa vida?” Ele diz que não tem resposta para isso, mas o exemplo que oferece sugere um viés. Ele se lembra de ver televisão com os filhos às três da manhã quando eles estavam doentes. “Eu não diria, na época, que aquilo fosse divertido”, diz ele. “Mas agora eu olho para trás e digo: ‘Ah, lembram do tempo em que costumávamos acordar e ver desenhos animados?’.”

As mesmas coisas que, no momento, embotam o nosso humor podem, mais tarde, ser uma enorme fonte de prazer intenso, de nostalgia, alegria. É um truque mágico e adorável da nossa memória, enternecer os tempos difíceis. Talvez seja apenas a alquimia necessária para manter a raça humana viva. Mas para os pais esse truque da mente e essa magia no coração é a própria definição de encantamento.