Se nada deu errado, já deve ter chegado às lojas a edição em blu-ray do documentário Mamonas Pra Sempre, dirigido por Cláudio Kahns (Europa Filmes). É um longa-metragem que tenta registrar a trajetória do quinteto paulista misturando cenas de arquivo pessoal e imagens de acervos de TV a depoimentos de familiares, amigos e gente que trabalhou com o grupo. A maior parte desse material foi colhido como parte da pesquisa de referência que Kahns empreendeu para um futuro filme ficcional os Mamonas.

Vi Mamonas Pra Sempre no comecinho do ano, quando o filme já estava pronto e a equipe de produção me convidou para cuidar de alguns estágios da divulgação do longa. Pelo que me disseram, queriam um jornalista contemporâneo da banda, que tivesse conhecido o quinteto e os assistido ao vivo. Recusei, justamente por ser tudo isso.

O produtor Rick Bonadio, de controversa contribuição para a música brasileira, usa de suas (várias) falas para prestar outro enorme desserviço, desta vez à História. E, se há um perigo principal em um documentário, é que ele deixe de ser documental, ora bolas. Bonadio afirma, por exemplo, que na curta carreira dos Mamonas, o Brasil vivia uma grande crise no mercado fonográfico – o que é mentira, claro: de 1993 a 1996 o Brasil cresceu 128%; 35% justamente no período em que a banda existiu. Diz também que o rock brasileiro estava em baixa quando os Mamonas surgiram – sendo que, quem viveu lembra, que os Mamonas surgiram na esteira do sucesso dos Raimundos, Skank e outros. E, por último, quem assiste ao documentário sai com a certeza de que os críticos de música, esses tontos, foram unânimes em manterem-se cegos diante das virtudes da banda. Bem, eu estava lá em 1995, eu mesmo escrevi e elogiei o grupo, e não dá para assinar em baixo dessa maquiagem histórica cujo único objetivo é tentar transmitir ao mundo a ideia de que Rick Bonadio é mais visionário do que todos nós. Pra cima de mim, não, que eu tenho Google em casa.

E se eu não tivesse nada a ver com isso? Bem, eu acharia o filme triste, triste.

Mamonas pra Sempre é recheado de humor – e, caramba, como aqueles caras eram engraçados. Mas é difícil esconder o gosto amargo da graça inconsequente e adolescente quando a gente sabe que a palavra final é morte. É curioso: os momentos em que me peguei chorando não foram os que pesavam a mão na emoção funesta, mas justamente os que flagravam os cinco mais descontraídos, cheios de vida, de sonhos, de planos. Pensei naqueles caras, no show que assisti sentado no palco em 1995, pensei na brevidade da vida e, principalmente, pensei nos meus filhos.

Dois momentos foram especialmente doloridos. O primeiro, talvez o mais célebre do filme, é o show que os Mamonas fizeram no Thomeuzão, o ginásio Pascoal Thomeu em Guarulhos, onde, cinco anos antes, quando ainda se chamavam Utopia, os moços foram esnobados na escalação para um show de abertura para Guilherme Arantes. Nervoso, entre palavrões e chutes no equipamento, Dinho vociferava para a plateia: “As pessoas olhavam pra mim e diziam: ‘é impossível você chegar até aqui’. Manda eles pra p*** que pariu. É possível, sim! Cada um de vocês que estão aqui hoje, é possível realizar os sonhos de vocês. Vocês são capazes, acreditem em vocês. Luta pelo seu sonho, luta por você que você vai chegar aonde você quer. (…) Se a gente fosse fraco, a gente tinha desistido cinco anos atrás.”

O outro momento, mais sutil, é uma apresentação da banda no antigo Programa Livre. A pergunta de Serginho Groisman, que já tinha visto os Secos & Molhados e o RPM implodir em praça pública, pergunta sobre a superexposição, se a alta-rotação do sucesso não provocava receio na banda quanto a seu futuro. A resposta de Dinho me provocou calafrios: “Eu não tenho medo nenhum porque eu trabalhei por seis anos da minha vida numa coisa que se tornou realidade por meu esforço e o dos meus amigos. E a gente vendeu 1 milhão e 200 mil cópias porque a gente se dedicou a isso. Não depende de ninguém para eu vender mais um milhão de cópias. Só depende de mim. Eu sei que tenho competência pra fazer isso.” A platéia explode em aplausos.

Pensei nos pais do cantor que, pelo que sei, eram, ou são, evangélicos. E de lá meu pensamento pulou para o livro do Eclesiastes, escrito na velhice do rei Salomão:

“Os velozes nem sempre vencem a corrida; os fortes nem sempre triunfam na guerra; os sábios nem sempre têm comida; os prudentes nem sempre são ricos; os instruídos nem sempre têm prestígio; pois o tempo e o acaso afetam a todos. Além do mais, ninguém sabe quando virá a sua hora: Assim como os peixes são apanhados numa rede fatal e os pássaros são pegos num laço, também os homens são enredados pelos tempos de desgraça que caem inesperadamente sobre eles.”

Pensei em como 15 anos passam voando, e chorei mais um pouquinho.