Quinta-feira agora, dia 08, meu documentário mais recente, Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94, será exibido dentro do festival Amplifica que está rolando desde o dia 02 no Sesc Jundiaí. É um evento incrível de divulgação e construção da cena da região, com shows, palestras etc – nesse contexto, o Sem dentes funciona como registro de um “case” muito bem sucedido de consolidação de uma cena independente dentro do Brasil, formada sob a inspiração do “faça você mesmo” do punk, por intermédio da influência grunge-alternativesca do começo dos anos 1990. O sessão é gratuita, começa às 17h e depois rola um bate-papo com este que vos fala. Confira a programação do Amplifica aqui, porque ainda tem muita coisa legal.

Em 2015, o Sem dentes também foi exibido em Jundiaí, como parte da série de sessões originais do filme, antes de ele passar no Canal Brasil e no Now. Naquela ocasião, a sessão foi sucedida por uma papo comigo e com o Miranda, produtor dos Raimundos e um dos diretores do Banguela. Vem daquele dia a foto acima, comigo segurando um exemplar do LP “A Vez do Brasil”, e contando pela primeira vez a história que segue, sobre as raízes jundiaienses do rock nacional da década de 1990.

Em 1993, eu ainda estava no colegial, e achava que o meu envolvimento com o universo da música se daria por intermédio da minha banda de grunge-tropicalista, Os Cleggs. Então comecei a circular num meio muito diferente daquele em que eu habitava até então, com músicos, DJs, fotógrafos e jornalistas. Foi exatamente aí que eu entendi como funcionava o jornalismo como profissão e decidi que era aquilo que eu queria fazer da vida pra sempre. E o principal elo entre a minha vida de adolescente jundiaiense e o mundo do jornalismo musical foi o ilustrador Fábio Cobiaco.

Cobiaco fazia os pôsteres e as capinhas das demo-tapes das bandas de Jundiaí e fazia ilustrações para a Bizz, a revista que havia mudado minha vida. Vocês não estão entendendo: o Cobiaco fez a ilustração que abria a seção de discos da Bizz, na crítica do In Utero – o que, nos meus olhos embasbacados, equivalia a ganhar um Oscar ou a ser galã da novela das nove.

E eu amava tanto aquilo que eu ia com o Cobiaco até São Paulo, de trem, quando ele precisava entregar alguma ilustração em tempos pré-digitais, apenas para ver de perto os caras que eu lia na Bizz: Forastieri, Miranda, Camilo Rocha, Celso Pucci, Rogerio de Campos, José Augusto Lemos. Eu me sentia entre gigantes, pra vocês verem como eu era minúsculo.

Por uma coincidência maluca da vida, em 1993 a redação da Bizz começou a rachar, por conta de uma política de participação nos lucros que, em vez de estimular, desestimulou todo mundo. Camilo foi morar em Londres, André e Rogério foram fundar a General, José Augusto foi se dedicar aos especiais da Set, e o Miranda foi se dedicar à carreira de produtor, mesmo que continuasse dando expediente como repórter. E, embora ele já houvesse produzido outras coisas antes, o disco em que ele estava trabalhando exatamente nessa época era a coletânea A Vez do Brasil, com o primeiro registro fonográfico de bandas que saíam na revista e tocavam no programa de mesmo nome da 89 FM. Cobiaco foi convidado pra fazer a capa e o Miranda o elogiou numa entrevista para a MTV. Aquilo era inacreditável pra mim.

Cobiaco fez um desenho grunge-psicodélico de um garoto enlouquecido em seu quarto ouvindo discos. It could be me, It could be you, podia ser qualquer um de nós. E fez questão de esconder, entre os LPs do quarto, um easter-egg muito carinhoso, um LP dos Cleggs – o LP que a gente nunca gravaria.

Isso era 1993 e a linha cronológica que levaria ao Banguela Records estava oficialmente estirada. Duas das bandas incluídas na coletânea, Little Quail & The Mad Birds e Graforreia Xilarmônica, seriam anunciadas como parte do elenco do selo, um ano depois. Os Raimundos saíram na última hora do disco, porque receberam uma proposta de gravação – que só se cumpriria quando o Banguela fosse criado, no início de 1994. E a Bizz se firmou como o principal aglutinador dessa geração na imprensa escrita, e o Miranda como uma das principais caras públicas nos bastidores dessa movimentação. Tudo isso está no filme.

Foi exatamente nessa curva que eu entrei no jornalismo musical, falando de bandas novas, fanzines, festivais etc, muito porque andava grudado no Miranda o tempo todo – primeiro, na redação da Bizz, depois no sobradinho da Rua Morás onde funcionava o estúdio e o escritório do Banguela. E aí já era 1994, já havia a General, a Bizz com outra “formação”, eu escrevendo pra ambas e também para o Estadão etc.

E tudo começou em Jundiaí, caso você não saiba.

Ou pelo menos, é assim que guardo em minha memória e no meu coração. ?

 

Exatamente uma semana depois dessa sessão no Sesc Jundiaí, o Sem Dentes volta a ser exibido na tela grande, desta vez dentro do festival In-edit, o que é uma baita honra pra gente – é o primeiro filme a ser reprisado na história do evento. Vai ganhar duas sessões: uma no dia 15/06 às 19h30, na Cinemateca, e outra no dia 24/06 no CCSP. Vamos aproveitar as noites para lançar a nova impressão do meu livro “Cheguei bem a tempo de ver o palcos desabar”, que conta as histórias do jornalismo musical e do rock brasileiro entre 1993 e 2008. Vai rolar sessão de autógrafos e tudo. Nos vemos lá!