Nos últimos dias, coincidentemente, dois acidentes envolvendo praticantes de esportes radicais me levaram a matutar sobre a estranha tendência humana de viver no limite. Teve aquela australiana de 22 anos, Erin Langoworthy, que pulou de mais de 100 metros sobre um rio do Zimbábue e a corda de seu bungee-jump se rompeu. Em Curitiba, foi o caso de uma garota de 19 anos, que ficou presa por 40 minutos numa corda de rapel depois que seu cabelo enroscou no equipamento.

Lembro da expressão de intriga no rosto do ex-piloto Alex Dias Ribeiro quando lhe disse, na sala da casa dele, que eu sempre suspeitei que a fagulha que leva um jovem a se arriscar a 300 quilômetros por hora só pode ter alguma relação com a que conduz alguém às drogas: a sensação de viver no limite e voltar pra contar história.

Só que, às vezes, diferentemente de Erin, da menina curitibana e do próprio Alex, as pessoas não voltam. Como diria o Cartola: acontece.

Viver no limite é o ganha-pão de uma porção de gente. Keith Richards diz que o cidadão ordinário se vê projetado no artista decadente. É meio circo, e é incrível que ele tenha claro que parte de sua fortuna foi gerada arriscando a própria vida para deleite da classe média planetária. Richards me leva a intuir que o mesmo sentimento se apodera do tiozão sentado no sofá assistindo à Fórmula 1 ou ao Pânico e CQC.

É por isso que, ao contrário do amigo André Forastieri, não consegui enxergar nenhum dilema político no grande bafon de 2011, entre o humorista Rafinha Bastos e a celebridade Wanessa Camargo, envolvido o recém-nascido José Marcus.

José Marcus, entre os tribunais e a capa da "Caras" desta semana

Porque Rafinha ganha a vida sendo grosseiro com celebridades e políticos, tirando finas, saindo ileso em colisões em que a maior parte de nós levaria uma bofetada,ou cairíamos no rio de crocodilos, ou bateríamos no muro. Não consigo abstrair, nem por um segundo, que é uma simples casualidade da vida que, hora ou outra, a corda arrebenta, o volante trava, o Netinho esbofeteia ou a Wanessa processa. O mundo não se torna um lugar exatamente mais injusto por isso. Ou se torna?

É claro que discutir arte e polêmica torna a vida mais divertida. Mas enxergar arte e polêmica onde o que há são apenas crianças destemidas gritando “olha mãe, sem as mãos” é esquisito. Irritar famosos também é um passatempo interessante – o problema é que famosos, mesmo os desprovidos de méritos artísticos, têm tanto direito de se sentirem ofendidos quanto se a “piada” fosse contra a Gaby Amarantos ou a Tereza Cristina. Não é o risco que atrai? Pois o risco é traiçoeiro.

Este não é um manifesto pela vida vivida de maneira mais ordinária. É só um apelo para que, em 2012, concentremos nossa indignação e as nossas lágrimas para injustiças realmente injustas, para causas em que a dignidade humana seja enfrentada sem que a parte ofendida tenha tido papel voluntário em sua desgraça.